segunda-feira, 11 de junho de 2007

Contracultura do vinho desaloja "enochatos"

Contracultura do vinho desaloja "enochatos"
Eric Asimov - 6/Jun/2007 - NY Link
Tradução: Paulo Eduardo Migliacci ME

Eles são chamados por muitos nomes diferentes. O mais familiar e talvez o menos gentil seja "malucos por vinho". Também são conhecidos como fanáticos, extremistas e até como contracultura do vinho.
Mas eu prefiro chamá-los de salvadores. Pois sem essas vozes que insistem em se erguer contra a cultura dominante e elogiar vinhos exóticos e menos conhecidos, o mundo do vinho seria um lugar muito mais monótono.
Apesar do filme Mondovino e dos pessimistas de plantão, vivemos a melhor das eras para os amantes do vinho. Jamais houve tamanha diversidade de vinhos excelentes, disponíveis de forma tão ampla.
Dos chateaux de Bordéus às aldeias nas encostas do Valle d'Aosta, das rochas vulcânicas varridas pelos ventos na ilha grega de Santorini às colinas cobertas pela névoa em Sonoma, na Califórnia, é possível encontrar vinho de quase todo lugar em quase qualquer lugar.
E temos muita gente a agradecer por isso. Meu brinde vai para os comerciantes de vinho, por exemplo, já que sem eles nós todos estaríamos bebendo limonada. Mas não pretendo discorrer sobre eles, nem sobre os jornalistas e críticos, ainda que o entusiasmo de todos esses profissionais sirva a nos inspirar. Quero homenagear principalmente os subversivos, as pessoas que abandonaram o gosto convencional para descobrir mundos novos e povoados de vinhos excêntricos e maravilhosos.
Algumas dessas pessoas são parte do mercado, sommeliers como Paul Grieco, dos restaurantes Hearth e Insieme, em Nova York, que reza no altar do riesling e serve a uma clientela sempre receptiva vinhos de variedades excêntricas como savagnin, rkasiteli, romoratin e outras com nomes ainda mais difíceis de pronunciar.
Algumas delas são importadores, como Joe Dressner, da Louis/Dressner Selections, que traz aos Estados Unidos uma boa seleção de vinhos de que ninguém ouviu falar, produzidos em lugares que ninguém conhece. Há também os varejistas, como David Lillie, da Chambers Street Wines, de Nova York, que apresentou sua clientela às mais esotéricas glórias do vale do Loire.
Mas essas pessoas não teriam chegado ao ponto que chegaram não fosse um quadro determinado de consumidores em larga medida anônimos, conhecidos apenas por seus pseudônimos de blog e seus apelidos de Internet. Eles povoam sites como o erobertparker.com, wineloverspage.com e, acima de tudo, o Wine Therapy (enemyvessel.com/forum/), e neles expressam suas opiniões incisivas, defendidas com tenacidade e apresentadas de forma contenciosa, usualmente com sutileza semelhante à de quem joga um coquetel Molotov janela adentro.
Sobre o que eles estão falando? Não as mais recentes degustações de vinhos Bordeaux, ou sobre vinhos que conseguem mais de 90 pontos nos rankings de qualidade. Vinhos como esses poderiam ser considerados, no jargão desse grupo de excêntricos, como "spoolfulated", um termo insultuoso que designa vinhos criados para impressionar.
Essas pessoas preferem falar sobre vinhos "de verdade", os produzidos e vendidos sem manipulações especiais na vinícola, adega ou mercado. Dressner, o importador, se refere aos melhores deles como "vinhos de herança", com sabores e aromas que podem ser reproduzidos na produção em massa.
"Existe rejeição a tudo que está sendo produzido, distribuído e consumido", ele afirma sobre os subversivos do vinho. "Eles preferem algo de indeterminado, de indefinível, nos vinhos que bebem".
A categoria não é unida, ainda que seus integrantes compartilhem de certas preferências, como o gosto por um tom mineral e ácido, em lugar dos sabores arredondados, frutíferos. Eles também detestam os novos vinhos com um toque de carvalho, e reverenciam os métodos tradicionais e as práticas do terroir. Se alguma coisa serve para unir esses iconoclastas como comunidade, é a Internet.
Anos atrás, antes que a web devorasse o mundo, listas de discussão na Internet como a alt.food.wine e serviços como os da Prodigy e Compuserve serviam de abrigo a essa turma.
"Não acredito que as visões convencionais fossem impostas com tanta prepotência, então", diz Joe Dougherty, executivo de um banco de investimento em Nova York, que se identifica na Web com o apelido SFJoe.
"Não havia a igreja ortodoxa de Robert Parker, na época, levando as pessoas a optar entre serem membros ou proporem um movimento de reforma", ele brinca.
Nos anos 70 e 80, Parker mesmo talvez pudesse ser qualificado como um subversivo do vinho. Marcas que ele defendia, como a Vega Sicilia, da vinícola espanhola Ribera del Duero, no passado defendidas pela contracultura vinícola, agora se tornaram algumas das mais procuradas. De fato, muitos dos pequenos produtores mais apreciados pelos iconoclastas do passado conquistaram apreço universal, e seus produtos são vendidos hoje a preços muito mais elevados.
"De certa forma, as coisas não são boas para nós, a velha geração dos malucos por vinho", disse Michael Wheeler, da Polaner Selections, uma distribuidora ativa há 30 anos. "No passado, podíamos bancar vinhos como o Raveneau Chablis, o Roumier e o Cotat Sancerre. Agora, com a Internet e tanta gente falando sobre eles, ficou muito mais difícil obtê-los
Isso indica que, dentro de 20 anos, o panteão dos grandes vinhos talvez pareça muito diferente do que é hoje. Os favoritos dos subversivos do vinho atuais, como o Jacques Puffeney, de Arbois, o Luneau-Papin, de Muscadet, e Frank Cornelissen, da Sicília, podem se tornar novas forças do mercado convencional, e muito difíceis de obter se você não constar da lista de fregueses preferenciais.
Não é provável que as coisas transcorram assim, mas a possibilidade existe. Caso ela se confirme, uma nova geração de iconoclastas do vinho estará presente, e audaciosamente irá a lugares a que poucos amantes do vinho foram. E isso sugere que o termo correto para as pessoas que homenageio neste artigo talvez seja "a vanguarda do vinho".

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